10/10
Tocante e poderoso, uma obra de arte enternecedora
27 April 2010
Warning: Spoilers
"Spirit – Espírito Selvagem" é um filme que revoluciona o cinema e que dá cartas em todos os campos em que possa ser alvo de comparação, começando por um argumento muito bem delineado com base factual, uma banda sonora envolvente que melhor é impossível, vozes minuciosamente escolhidas (versão original) que autenticam as personagens, um espanto de cor e grafismo que nos conduz numa aventura com o herói principal, e uma deliciosa realização que merece uma enorme salva de palmas quando se termina de ver esta obra de arte… "Spirit" é isso mesmo, um filme em tudo sublime que mais parece uma peça de arte, de tanto amor e empenho que foi depositado na sua elaboração!

Comecemos pelo enredo – delicioso! Conta-nos de um modo subtil uma das muitas invasões do homem pelo mundo natural, o que ainda hoje continua a ter lugar... Até quando?! Esta é uma mensagem inerente nesta história do velho Oeste americano, dos finais do Século XIX, altura em que os pioneiros dos caminhos-de-ferro desbravavam terreno com o intuito de unir os Estados Unidos de Atlântico a Pacífico e de Norte a Sul. Não faltam os índios nativos ou a famosa Cavalaria, mas "Spirit" vai mais além, conta-nos como uma família de cavalos vê o seu habitat ser invadido por seres desconhecidos com estranhos engenhos e costumes e a forma como tudo na sua vida se altera focada no quotidiano do seu líder, um garanhão a quem deram o nome de Spirit.

Iniciamos por assistir ao nascimento do mustang Spirit num contexto musical/visual de arrepiar a espinha, o que nos captura na sua personagem; de seguida vemo-lo crescer num tom extremamente divertido que nos apaixona; depois observamos como é protector e como toma a liderança da família a sério, defendendo-a de todos os perigos, o que conquista o nosso respeito. A partir deste momento as suas emoções são nossas, sentimos cada arranhão e parece que as suas cordas são grilhões à nossa volta; rejubilamos com as suas conquistas, sofremos quando é capturado e simplesmente adoramo-lo!

Spirit partiu contrariando a mãe em busca de explicações para estranhas luzes por entre o arvoredo. Viria a ser capturado após longa resistência mas não se deixou montar ou marcar a ferro quente, libertou-se com a ajuda de um índio caricato que logo voltou a fazê-lo cativeiro num jogo de emoções sem explicação. Apaixonou-se por Rain, uma égua malhada sem igual, rendeu-se e lutou pelos seus novos amigos humanos mesmo sem conhecer muito bem a espécie; sentiu a dor, viu-se fraco e ergueu-se como um líder, conduziu uma rebelião que resultaria na perda de uma locomotiva e libertou os seus de um pesadelo anunciado que chegara de repente e os condenaria à submissão e sevícia. Demonstrou ser digno da liderança que outrora lhe adjudicaram e mais do que o orgulho da mãe, tornou-se o orgulho da espécie e o herói de todos os que tenham o privilégio de assistir a esta obra-prima.

A realização é fabulosa, os peritos em arte animada, Kelly Ashbury e Lorna Cook, que muito deram de si a alguns dos maiores sucessos de animação das últimas décadas, como "Shrek" e "A Bela e o Monstro", fugiram ao padrão de atribuir poder de fala aos animais, sem prejuízo da fluidez do argumento, antes pelo contrário. Matt Damon conferiu uma toada simpática à personagem principal (enquanto narrador na primeira pessoa), ao passo que James Cromwell primou na voz do coronel da Cavalaria.

O mestre germânico Hans Zimmer, responsável por bandas sonoras como "Rei Leão" e "Melhor É Impossivel", volta a atingir a perfeição com um trabalho que perdura no ouvido. Não atrás fica Brian Adams, com letras e canções escritas a rigor para enquadramento com a acção do filme, assim como o argumentista especializado no género western, John Fusco, que a partir de uma ideia de Steven Spielberg desenvolveu um enredo notável, que, em conjunto com todo o resto, proporcionou a "Spirit" a nomeação para o Óscar de melhor filme animado de 2003 e aos Globos de Ouro do mesmo ano enquanto melhor canção original com o tema que nos apresenta o mustang, "Here I Am".

Delicioso e comovente ao ponto de nos trazer as lágrimas aos olhos, este é um filme que ultrapassa a animação, tornando-se numa aventura para toda a família, uma lição de história e um exemplo de coragem. Excelente do primeiro ao último minuto, oito anos volvidos, e com a tecnologia a evoluir muito mais na animação do que em outros campos do cinema, continuo a dizê-lo sem quaisquer dúvidas: "Spirit" é o melhor filme animado que alguma vez vi e deve continuar a sê-lo por muitos e longos anos… Incomparável!
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